Autismo 1

O significado é que conta.
As crianças com autismo começam com teorias e hipóteses algo diferentes. Não que a busca por significado não exista. Mas acontece de modo diferente. A percepção é algo central e os detalhes sobressaem no labirinto das informações. As crianças com autismo seleccionam pormenores e combinam-nos para encontrarem um significado neste mundo confuso, por vezes caótico, que é o mundo invisível dos significados não percebidos directamente.
(...)
Pergunto a uma criança normal: “Como sabes que isto é um pássaro?” A criança olha-me como se eu lhe tivesse perguntado uma coisa tonta. “Porque voa, claro”.
Coloco ao meu filho Thomas a mesma questão : “Como sabes que isto é um pássaro?” Thomas (muito sério – tenho de enfatizar este ponto, porque muitas pessoas que não conhecem o autismo pensam que ele tem sentido de humor) diz: “Primeiro olho e vejo se tem quatro pernas ou duas. Se tem duas, é um pássaro.”
Um ser humano ou um animal. Recordo um tempo há muitos anos, quando estávamos numa carruagem de eléctrico. Por essa altura, eu já lhe ensinara como classificar imagens correctamente: estas são pessoas, e, estes são os animais. Ele sabia perfeitamente como fazê-lo.
Naquela tarde, ele reparou numa mulher com um penteado muito estranho, e na sua maneira franca e directa, disse alto, apontando para a senhora: “ Mamã, aquilo é um ser humano ou um animal?”
Hoje, que sei um pouco mais sobre o pensamento hiper-selectivo, tenho a certeza de que o penteado da senhora, cheio de caracóis (um pormenor), lembrou-lhe uma ovelha.
Extraído de “Mamã, aquilo é um ser humano ou um animal? Sobre hiper-selectividade e autismo”, Hilde De Clercq, Intermedia Books
Este é um livro que veio enriquecer, em língua portuguesa, os bons textos sobre autismo. Hilde De Clercq, num testemunho extraordinário de dedicação de mãe, descreve nele a importância do trabalho que pode ser efectuado com crianças com autismo. Mas, como é frequentemente referido, talvez a maior e melhor contribuição do livro seja a de aproximar o mundo do autismo do mundo das pessoas que, voluntária ou involuntariamente “nada têm/nada querem ter a ver com isto” e que são, por exemplo, os professores, os educadores, os médicos, os psicólogos, os políticos ou os cidadãos em geral.
Remetendo para a reflexão, mas de leitura fácil e agradável, recomenda-se vivamente.
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