segunda-feira, maio 01, 2006

Amor I

Ah, diz-me a verdade acerca do amor

Há quem diga que o amor é um rapazinho,
E quem diga que ele é um pássaro;
Há quem diga que faz o mundo girar,
E quem diga que é um absurdo,
E quando perguntei ao meu vizinho,
Que tinha ar de quem sabia,
A sua mulher zangou-se mesmo muito,
E disse que isso não servia para nada.

Será parecido com uns pijamas,
Ou com o presunto num hotel de abstinência?
O seu odor faz lembrar o dos lamas,
Ou tem um cheiro agradável?
É áspero ao tacto como uma sebe espinhosa
Ou é fofo como um edredão de penas?
É cortante ou muito polido nos seus bordos?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.

Os nossos livros de história fazem-lhe referências
Em curtas notas crípticas,
É um assunto de conversa muito vulgar
Nos transatlânticos;
Descobri que o assunto era mencionado
Em relatos de suicidas,
E até o vi escrevinhado
Nas costas dos guias ferroviários.

Uiva como um cão de Alsácia esfomeado,
Ou ribomba como uma banda militar?
Poderá alguém fazer uma imitação perfeita
Com um serrote ou um Steinway de concerto?
O seu canto é estrondoso nas festas?
Ou gosta apenas de música clássica?
Interrompe-se quando queremos estar sossegados?
Ah! diz-me a verdade acerca do amor.

Espreitei a casa de verão,
E não estava lá,
Tentei o Tamisa em Maidenhead
E o ar tonificante de Brighton,
Não sei o que cantava o melro,
Ou o que a tulipa dizia;
Mas não estava na capoeira,
Nem debaixo da cama.

Fará esgares extraordinários?
Enjoa sempre num baloiço?
Passa todo o seu tempo nas corridas?
Ou a tocar violino em pedaços de cordel?
Tem ideias próprias sobre o dinheiro?
Pensa ser o patriotismo suficiente?
As suas histórias são vulgares mas divertidas?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.

Chega sem avisar no instante
Em que meto o dedo no nariz?
Virá bater-me à porta de manhã,
Ou pisar-me os pés no autocarro?
Virá como uma súbita mudança de tempo?
O seu acolhimento será rude ou delicado?
Virá alterar toda a minha vida?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.

W. H. Auden

2 Comments:

Blogger Alegrao said...

Ai o amor, o amor...
O amor é tudo isso e muito mais.
Sendo fofo como um edredão de penas, pode-nos deixar a pele àspera como uma sebe espinhosa.
Tenta imaginar comigo:
Estou sentado numa plateia ao lado de quem amo, a assistir a um dos artistas preferidos. Estou confortável, sinto-me nas nuvens, sinto o amor fofo como elas.
Começa a tocar uma das minhas músicas preferidas, sinto um leve arrepio. Seguro a mão de quem amo e o arrepio vai prosperando. O público canta a canção e no final selamos os aplausos com um beijo enamorado. Neste momento o arrepio está no auge. Já sinto a pele àspera, e só volta lentamente ao normal quando o beijo neutraliza a aspereza com um doce beijo.

Agradeço a escolha da música desta semana. É a que está imaginada na pequena história acima. Beijos

01:02  
Blogger ponto azul said...

Que lindo é o Amor...gostei deste poema!Bjs :-)

11:55  

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